domingo, 29 de janeiro de 2012

A volta da Lori e Mistérios Selvagens

                Depois de uma semana normal de aulas, apesar de eu sempre acordar com medo de ir para a escola e alguma coisa de errado acontecer, estou adorando aquele lugar. Hoje acordei já totalmente desesperada. Ainda bem que resolvi ficar como humana, pouparia minha mãe de gastar magia. Levantei da minha cama feita de tecidos de algodão e folhas de carvalho e sai rapidamente até meu banheiro real. Um monte de corças-serviçais vieram atrás de mim, como sempre fazem, mas as dispensei. Lavei o rosto rapidamente, estava sem tempo pra tomar banho. Desci correndo as escadas, quase tropeçando e vesti a primeira roupa humana que achei na cestinha de roupas reservadas para mim.
                -Pra quê esse desespero, garota? - Ouvi minha tia perguntando atrás de mim.- Sabe que horas são?
               -Como "Pra quê"? Eu tô atrasada! Posso receber punição, ser suspensa, ou pior... Ir pra detenção! - Eu esperneei, escovando os cabelos, quase arrancando-os da minha cabeça. Minha tia me pegou pelo ombro e deu um tapinha na minha cabeça.
               -Olhou no relógio? - Ela perguntou.
               -Olhei tia, eu preciso...
               -Olhou a hora e a DATA? - Ela perguntou. Parei e olhei para um pequeno relógio de pulso que me deram. Eram nove e quarenta da manhã de um...Sábado.
               -Sábado...Quer dizer que hoje não tem... Hihi...Hihihiihi... - Eu disse, dando meu risinho nervoso. Minha tia revirou os olhos e subiu para seus aposentos. Suspirei de alívio e fui para os jardins do castelo. Sentei num banco de pedra onde eu costumava brincar com minha melhor amiga, Lorenna. Que saudade dela... Onde será que ela está? Pra falar a verdade, as fadas não tem endereço fixo. Ela e sua familia tiveram que migrar para o norte, mas Lorenna prometera que voltaria antes do fim do verão. Bom, talvez ela não pôde ou...Tenha encontrado outra melhor amiga? Outra menina-corça com quem viver aventuras? Ah, não, isso seria...
                -Nossa, que roupas esquisitas, Vee! Comprou isso com os humanos? - Ouvi uma voz... A voz dela! Bem ao meu lado. Virei-me e dei de cara com minha melhor amiga desde a infância. Abracei-a, sem nem ligar o fato de tê-la assustado.
                -Ahh! Sua chata, fiquei esperando um tempão! - Eu reclamei, enquanto a apertava.
                -Ok,ok, não precisa me mostrar o quanto seus peitos são maiores que os meus, eu sei muito bem.- Ela disse, soltando-se do meu abraço. Percebi que ela não estava transformada em fada.
                -Onde estão suas asas? -Perguntei. Lorenna tem asas lindas, são azuis e quase transparentes, e quando ficam de frente pra luz, formam um arco-íris ao redor delas, como se fosse feita de água.
                -Ah, eu "guardei". Acho melhor ficar humana caso queira ir pra cidade. - Ela respondeu, enquanto se sentava junto de mim na pedra.
                -Então, você se mudou pra cidade? - Perguntei.
                -Não, não, moro numa árvore ali, com a mãe. Ela e o pai andaram brigando sabe, então ele volta só daqui a uma semana. - Ela disse, com um ar triste. Humpf, a familia dela é mesmo louca! Eu lembro que sempre acordavamos assustadas no meio da noite porque a mãe dela estava reclamando com o pai por ter ido beber com os sátiros e duendes. Homens...
                -Sinto muito... Mas, me diz, você por acaso tá pretendendo ir pra cidade agora?
                -É, tem um shopping bem perto da minha escola e...
                -Perai! Escola? - Eu perguntei. Ah, Meu Deus...
                -É, eu me matriculei numa escola humana. Legal, né? - Ela perguntou, parecendo animada. AH MEU DEEUS!!
                 Eu levei as mãos à boca, mais do que surpresa. Ela estranhou minha ação.
                 -Eu também tô estudando numa escola humana! - Falei. Lorenna arregalou os olhos cor de rosa.
                 -Onne High School?! - Ela perguntou. Eu afirmei.
                 Nós duas demos verdadeiros gritinhos de menininhas e nos abraçamos, felizes por podermos nos ver todo santo dia. Nossa, seria tão incrivel! Eu iria apresentá-la ao pessoal! Vai ser tão...
                  Então, interrompi meus pensamentos. Senti uma coisa estranha. Um sentimento de... Não sei descrever, um medo, sensação de estar sendo observada. Soltei minha amiga e segui até onde meu instinto mandava.
                   -Vee, o que foi? - Ela perguntou, rindo da minha atitude. Então, de repente, ela se lembrou que esse é um dos meus poderes: Sentir perigo, procurar coisas perdidas, e outras coisas. Lorenna me seguiu, em silêncio. O meu castelo ficava logo na entrada de Deerpoliah, minha cidade de meninas-corças. A cidade não era muito grande, e ficava dentro de um carvalho, tendo conexão com o mundo apenas por uma grande abertura na árvore. Nós nos aproximamos da abertura e olhamos a floresta do lado de fora. Eu podia jurar que senti alguém passar por ali. Alguém não muito bem intencionado.
                   -Esquece, deve ter sido impressão. - Lorenna disse.
                   -Mas eu podia jurar que tinha...
                   -Ok, vamos relevar isso, tá? Agora, que tal irmos pro Shopping? - Lorenna perguntou. Ainda estava desconfiada, mas aceitei. Tomamos café da manhã (Pão caseiro com mel de abelha e leite, uma delicia!) e saimos da floresta. Seguimos até um dos shoppings mais bem conceituados da nossa cidade, o Penn Place Mall, acho que era esse o nome. A Lori, como costumava chamar a Lorenna, disse que eu ando usando roupas que não me valorizam muito. Acho que esse tempo que ela passou junto de humanos fez ela entender um pouquinho do mundinho das meninas humanas. Pulei nas dicas dela e... Nossa, comprei cada roupa bonita! No cartão da minha mãe, claro. Ela normalmente usa a forma humana pra comprar suprimentos e algumas roupas pra mim.
           

               No fim das comprar, fomos dar uma volta pelos andares. Nossa, quanta coisa bonita! Não sabia que os humanos poderiam "fabricar" tantas luzes! Já usando minha roupa nova e um pouco de maquiagem que eu mesma colocara, fomos olhando cada loja e atração que tinha ali. Cheguei até a ver garotos nos encarando, rapazes fazendo "Fiu fiu".
               -Mas que foi isso? Eles acham que nós somos coelho, pra chamar a gente assim? - Perguntei, olhando pra trás com cara feia. Lori riu da minha ignorância. Pô, até tu, brutus!
              -Amiga, os meninos humanos fazem isso quando se sentem atraídos por uma garota! É tipo... Um chamado de acasalamento. - Ela falou.
              -Ah... Tipo os coiotes uivando de tarde? - Perguntei.
              -É... Mais ou menos.
              Não demorou muito, ouvi outra voz conhecida:
              -Dios Mio, és tu, Veedah? - Yasmim falou atrás de mim. Lá estava ela e Lisa. Fiquei feliz em encontrá-las. Apesar de nos conhecermos faz pouco tempo, eu realmente gostava delas, era como se fossemos amigas faz muito tempo.
              -Que bom te ver aqui, Veedah! - A Lisa falou. Ela estava linda com um vestidinho preto com pedrinhas brilhantes e tiara com lacinho. Não importava se ela era gordinha ou não, o que mais chamava atenção nela era o bom gosto.
              -Também é muito bom ver vocês. Essa é a Lori.  - Eu disse, apontando para minha amiga fada, que sorria com simpatia. Bom, era meio que natural de uma fada sorrir pra tudo, mas tudo bem.
              -Na verdade é Lorenna. A Vee adora diminuir as pessoas. - Lori fingiu me esnobar, torcendo o nariz para mim. As outras riram dela, como se fosse possivel não rir de nada do que ela fala.
              -Estavam fazendo compras? - Lisa perguntou. Eu afirmei, dando uma voltinha para ela ver minhas roupas novas.
              -Nossa, verde fica ótimo em você! Combina com o seus olhos. - Lisa falou.
              -E, sendo sincera, cariño, seu modelito não era o mais bem apropriado. - Yasmim falou.
              -É, eu sei, minha mãe ainda acha que eu sou uma menininha, sabe. Ai vive me vestindo com roupas velhas... - Eu disse. Na verdade é que eu nunca me preocupei em me vestir como humana. A maioria das meninas corças usam só um top, sutiã e no máximo um maiô ou shortinho. Mas agora que experimentei um pouco dessa onda de consumismo, percebi que é ótimo me vestir com outras coisas. Meio que revitaliza!
              Nós quatro fomos andando pelo shopping, falando de vitrines que víamos, garotos bonitos que passavam por nós e outras coisas. Isso até que...
              -Ei, a gente tava planejando fazer uma trilha na floresta, vocês querem vir? - Lori perguntou. Eu dei uma cotovelada nela, fazendo-a gemer. Depois lancei um olhar rápido de "Você tá louca?"
              -É, seria legal, mas é que... - Lisa começou.
              -Perdón, não queremos ser muertas. - Yasmim falou. Muertas? Mortas? Mas por quê?
              -Mortas? Mas por que? Por quem? - Perguntei, interessada.
              -Então, vocês não sabem? - Yasmim perguntou. Fiz que não com a cabeça.
              -É que saiu no noticiário que houveram várias mortes nessa ultima semana e quase todas ocorreram dentro da floresta. - Lisa falou, parecendo assustada.
               -E só una ou dos ocorreram no asfalto, próximo à floresta. - Yasmim falou. Nossa... Que assustador.
               -Já começaram a investigar? - Perguntei. Elas duas sacudiram os ombros.
               -Eu creio que é um assassino em série. Daqueles de filme, em que normalmente é uma chiquita revoltada ou um panzudo rejeitado.- Yasmim disse para nós, parecendo meio entusiasmada com aquilo. Enquanto elas confabulavam com aquilo, fiquei quieta em meus pensamentos. Alguém matando na floresta? Será que era uma mulher-corça?Não, não pode ser. Meu povo não faz isso faz séculos. Buscamos viver em paz com os humanos, contanto que eles respeitem nosso lugar, a floresta. Pelo menos nessa cidade, eles respeitam.
               De repente, senti uma pontada na cabeça.
               -Veedah? Tá tudo bem? - Lisa perguntou.
               Não, não estava tudo bem. Minha mente acabara de sair daquele devido espaço e fora rapidamente até a floresta. Vi uma pessoa vestida de negro agarrar uma garota e arrastá-la para dentro do mato. Abri os olhos, assustada.
               -Vee... Qual é o problema? - Lori estava agachada, olhando-me nos olhos. Eu olhei para os lados, pensando em alguma coisa.
                -Eu... Eu... Esqueci de tomar o meu remédio! - Eu disse. Lori pareceu confusa. -É, preciso urgentemente tomar, senão posso ficar ainda pior. Vejo vocês depois, gente! - Eu gritei para Lisa e Yasmim, e arrastei Lori comigo para fora do Shopping.
               -Dá pra me dizer o que tá pegando?! - Lorenna perguntou, impaciente ao correr junto comigo e quase tropeçar.
               -Você vai já saber, confia em mim. - Eu disse. Nós fomos até o estacionamento, que não estava muito cheio, e fomos para perto de uma vaga  bem na beira da floresta. Olhei para os lados e... Eu vi! Vi braços e pernas se debatendo entre as arvores, como se alguém quisesse escapar.
               -Lori, aquela mulher vai ser atacada. Temos que ajudar! - Eu exclamei. Lori pareceu assustada e confusa, ficou sem reação. - Ok, fica aqui, vou ver o que posso fazer. Metamorfose!!
              Comecei a correr e me transformei em corça, tornando minhas pernas ainda mais ágeis. Pulei o muro de arame farpado e entrei no mato. Pulei troncos de árvores, galhos caidos, pedras, lama, e encontrei-os. O individuo segurava a mulher pelo pescoço e a arrastava junto dele. A mulher gritava, a maquiagem estava toda borrada de tanto chorar. Sorrateiramente, segurei num galho, debrucei na arvore, dei o maior salto que pude e deu um chute nas costas do cara.
               Ele(ou ela) caiu no chão e começou a tremer. Depois fugiu, sem olhar para trás. Grr! Quase que descubro quem era. Será que ele era o assassino que a Lisa e a Yasmim estavam falando ou era só um tarado por mato? Então, lembrei-me da mulher. Virei-me e dei de cara com ela, caida sobre as folhas, chorosa e trêmula, como se visse o diabo em pessoa. Nossa!
          -Está tudo bem, é só vir... - Eu tentei acalmá-la, erguendo minha mão para ela.
          -Não! Nããão!! - Ela esperneou. Peralá! Precisa gritar feito louca só por ver minhas pernas? Ah, qualé! Antes que eu tentasse ajudá-la a sair dali, vi que a cabeça dela começou a adquirir um brilho rosado. Depois, revirando os olhos, a mulher caiu pra trás, desmaiada. Olhei para cima, e vi uma linda fada com asas azuis transparente e vestido fluido com tons de azul bebê e rosa choque. Lori balançou o cabelo loiro e cruzou os braços.
           -Um "obrigada" não dói, né? - Ela disse.
           -Valeu. Ela vai se lembrar de algo disso? - Perguntei, indo para junto dela.
           -Não, não. Meu pai me ensinou a usar o glamour para apagar memória e causar sono. Ele usa muito na mamãe. - Ela falou, rindo. Glamour é um termo referido à magia das fadas, como fazer as plantas crescerem, causar sono, e criar perfumes.
           -Acho melhor levarmos ela pra perto do estacionamento. Vai que aquele louco ou louca volta. - Eu disse, me agachando e pegando os braços da moça.
           -Ai, não... Justo agora que eu me transformei... - Lori disse, preguiçosa.

           Algumas horas depois, voltamos pra a minha casa. Ela ficou para o jantar, e só não dormiu aqui por que a mãe dela disse que tinha muito dever de casa pra fazer.
           Antes de ir, a Lori disse que eu deveria contar pra Lisa e pra Yasmim sobre mim, ela disse que elas duas são legais e confiaveis. E a opinião de Lorenna é muito confiavel. Continuo pensando, será que é melhor eu falar? Elas vão achar esquisito se eu disser que tenho pés de cervo e chifres? Não sei...
           Será que o tempo vai me dizer?
       
             
             
             

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